Quando eu era pequena, por volta dos meus 8 anos, eu quis fazer vinagre. Não me pergunte o porquê, eu simplesmente quis. Peguei suco de uva, deixei fora da geladeira e pensei: vai azedar, vai ficar com gosto de vinagre e eu vou poder temperar minha salada com meu próprio vinagre produzido em casa! […] Ok, até Einstein já deve ter tido dessas baboseiras na vida. Mas um dos benefícios disso é que quando descobrimos a maneira certa de fazer algo errado, a vida fica toda mais colorida. Desde então fiquei com esse louco desejo de fazer vinagre, mas não podia ser “qualquer” vinagre, tinha que partir de uma matéria prima boa, refinada, quase de luxo. Foi então que comprei o tal do Sangue de Boi [lê-se sang de boa], joguei em um balde de plástico, acoplei uma torneirinha e deixei repousar confortavelmente em um canto escuro e quentinho. De maneira rápida e objetiva, a denominação vinagre decorre do azedamento do vinho, causado pela presença de bactérias aeróbias que oxidam o etanol a ácido acético [por isso não dá pra fazer vinagre a partir de um suco de frutas, a não ser que inicialmente, processe a fermentação desse suco com posterior formação de etanol]. Pode-se, portanto, definir o vinagre como o ácido acético destinado a fins alimentícios, obtido pela oxidação de líquido alcoólicos fermentados [viu, com 8 anos até que eu não errei tanto!]. Existem várias maneiras de produzir vinagre. Para fazer em casa, indico o processo que eu utilizo que se chama Processo Orléans que permite a produção de um vinagre mais saboroso [também denominado de processo francês], porém demora muito mais tempo que os processos mais industriais. O processo é conduzido em barricas de madeira, [mas se você quiser fazer como eu, em um balde de plástico, também vale!] providas de furos na tampa, protegidos por tela fina, contendo um terço de seu volume de vinagre. Sob esse vinagre adicionamos certo volume de vinho [volume X qualquer], e depois de uma semana, novos volumes iguais ao primeiro são adicionados S E M A N A L M E N T E até a quarta semana. A partir desta, separa-se um volume de vinagre igual ao da primeira adição de vinho e adiciona-se igual volume de vinho. Com a repetição continuada dessa operação forma-se um sistema periódico, que permite a obtenção de vinagre semanalmente, para toda a família, amigos e afins. [eu geralmente retiro 1 L e adiciono 1 L de vinho] O processo descrito acima permite a formação superficial de uma película que engrossa ao longo do tempo e tende a depositar-se no fundo do recipiente. A chamamos de mãe do vinagre, ou mais abertamente falando, é um depósito de bactérias acéticas responsáveis pela acidificação do vinho. Ela deve ser retida na superfície por meio de uma tela fina, pois necessita de contato com o oxigênio para poder transformar o etanol em ácido acético [falamos em bactérias aeróbias, lembra?]. Em algumas literaturas médicas, está comprovada a utilização dessa película de bactérias para a cura de queimaduras de grau elevado, sendo que muitos hospitais, associados a indústrias produtoras de vinho, compram essa película para utilizá-la no tratamento de queimaduras! Incrível, não é? E você, tá esperando o que? Já para a cozinha fazer seu próprio vinagre. Sua salada nunca mais terá o mesmo sabor!

Joyce Galvão,  é chef de cozinha e Engenheira de alimentos.  Professora, pesquisadora de gastronomia, palestrante e colunista do portal SP Jornal.