Eu sou fascinada por canjica! Não me lembro quando ou onde eu me tornei uma pessoa tão necessitada por canjica, principalmente quando o frio chega e o clima de festa junina se espalha pelo ar. Basta que junho se aproxime para que eu toda manhosa chegue perto da minha mãe para pedir:
-Manhêeeeeee, faz canjica?
Se eu não sei fazer? Ora essa, claro que sei, afinal sou moça crescida prestes a casar! Cresci no pé do fogão vendo minha mãe juntar leite e açúcar em um panelão e inundar a casa com um aroma inebriante de amendoim torrado. Mas mesmo assim prefiro comer a canjica da minha mãe – que afinal, tem a pitada de amor que só mãe consegue dar.
A receita aqui de casa é bem simples: 500g de canjica branca, 2 xícaras de açúcar, 2 litros de leite e um saquinho inteirinho de amendoim [esses da Yoki] torrado, sem casca e moído.
Todo ano a cena se repete e minha mãe diz: – Eu faço, mas você tira a casca do amendoim.
Se eu tiro? Eu fujo! E quem acaba pagando o pato é meu pai que sai pro quintal e começa a assoprar, assoprar e assoprar até a bandeja fica limpinha e o quintal imundo! Minha mãe entra no berreiro e eu me acabo na canjica.
A canjica para mim é tudo aquilo que esses “foodies da vida” nomeam como comfort food. Ela aquece a alma, me trás lembranças boas da minha avó e da sua casinha rosa no interior – que por glória divina [e coloca divina nisso] passou o gosto de comer canjica [e a receita] para a minha mãe que acabou me levando junto pro vício!
Nunca tive forno a lenha e nem cresci rodeada de quituteiras me ensinando como comer ou o que comer, mas carrego comigo muitas boas lembranças de comida simples feita com carinho. Algumas vezes gosto até de imaginar o quanto não teria sido gostoso crescer lá “nas Minhas Gerais” com um belo fogão a lenha e muitas senhoras quituteiras me ensinando e engordando. Mas como minha família resolveu sair de lá e vir montar o barraco em São Paulo, o jeito foi levar a canjica pro sofá, carregar o cobertor e entre gostosas colheradas ver um filme bem bacana na televisão. Nada que tire de mim o direito de aquecer meu coração com um carinho bem gostoso como é a canjica para mim.
Existem pessoas que até preferem comer a canjica gelada no café da manhã ou de sobremesa no almoço, eu prefiro a minha assim mesmo: quente, mergulhada em uma manta quentinha escondida no sofã. Mas claro, tudo tem que começar com o pedido pra mãe, seguir observando ela preparar [e rir a beça do meu pai quando ele volta com os cabelos repletos de casca de amendoim] e finalizar com o roubo da canjica antes da devida autorização.
-Joooycceeeee, não tá pronta! Para de roubar canjica menina! – grita minha mãe todo santo ano.
Mas como boa cozinheira eu também gosto de mudar um pouquinho a cara da tradição, e optei fazer a minha versão com o grão da canjica amarelo e criar uma cocada bem cremosa para acompanhar o festão! Fica uma delícia e é uma ótima dica para aqueles dias em que deveria ser decretado feriado nacional, de tanto frio que faz! – só pra gente poder comer canjica jogados no sofá!
Aproveitem a receita e a dica, boas festas e bom São João!
Joyce Galvão, é chef de cozinha e Engenheira de alimentos. Professora, pesquisadora de gastronomia, palestrante e colunista do portal SP Jornal.