A testemunhal é a prostituta das provas, diz-se no fórum. Delação premiada, por consequência, a prostituta remunerada pelo Estado. Não obstante, o instituto foi essencial para limpar outras plagas de pragas “políticas”. A Itália é exemplo. A corrupção criada sob o manto do poder só pode corresponder heterodoxia semelhante. A seguir o ramerrão de métodos judiciais tradicionais e “garantistas”, os atos oriundos de corrupção ficariam soterrados desde seus idos às calendas gregas.

A Nestor Cerveró, obviamente, o governo acusado não atribui nenhuma credibilidade. É possível, sim, que delação premiada não contenha um grão de certeza. Porém, em direito a certeza recebe a contribuição da verossimilhança. Na avaliação das provas, os olhos podem ser perfeitamente substituídos pela inteligência. Sob pena de termos de conviver com a impunidade.

A delação de Cerveró tem lógica granítica e abala personagens centrais do poder: Lula, Dilma, Renan e Collor.

Lula o nomeou para a Diretoria de Serviços da BR Distribuidora. Gratidão por haver colaborado à quitação de empréstimo de R$ 12.000.000,00 feito ao PT para duas finalidades malcheirosas: calar, em Santo André, o chantagista Renan Maria Pinto, por R$ 6.000.000,00.  Nas circunstâncias esteve envolvido o torpe homicídio de Celso Daniel. A outra metade da laranja podre foi lançada em Campinas, onde, também, foi assassinado um prefeito. Obter um empréstimo pode ser simples, sobretudo por quem tem poder; resgatá-lo é que são elas. No ponto, Cerveró foi decisivo sob o modo de atribuir a uma empresa gêmea do Banco concedente do empréstimo, a Sachin Engenharia, a contratação para operação do navio-sonda da Petrobrás, o Vitória 10.000. Qualquer semelhança entre o nome do navio e os fatos é mera coincidência.  No meio da embromação entrou como interposta pessoa José Carlos Bumlai, pecuarista amigo siamês de Lula, que ingressava no Planalto como se fora seu celeiro. Hoje preso, perdeu a outrora irrestrita liberdade.

Não ficou por aí, nesse lodaçal específico da Petrobrás, as diatribes do ex-Presidente. Segundo o delator, para obstar a explosiva comissão parlamentar de inquérito sobre a Petrobrás, Lula removeu da empresa e realocou no Senado José Eduardo Dutra, falecido em 2015, de transição fácil entre os parlamentares, personagem adequada aos acordos, a exemplo de Delcídio Amaral.

Escandalosamente, para quem ouviu Lula tonitruar increpações no Vale do Anhangabaú contra Fernando Collor para “golpeá-lo” com a ajuda dos cara-pintadas, o insigne metalúrgico atribuiu poderes amplos e irrestritos a seu figadal inimigo de outros tempos para mandar e desmandar na BR Distribuidora. Cerveró foi alertado disso diretamente na Casa da Dinda.

A Presidente Dilma Roussef apoiou a ilimitada sinecura concedida ao alagoano. Em desabafo a Cerveró, Renan Calheiros confirmou a generosa benesse: por isso é que a candidatura de Collor, naturalmente inviável, deslanchara. A fé e o dinheiro removem montanhas. A moeda de troca foi o alinhamento absoluto e incondicional do triste PTB à oposição à comissão de inquérito sobre a Petrobrás. A personagem das Alagoas, caçador de marajás, voltou ao poder como um semideus mitológico.

Renan reclamou de não estar sendo agraciado como os demais; porém encontrou, lá mesmo ou alhures, os milhões de reais que elegem os políticos brasileiros.

Tanto veneno necessitava de um antídoto. Cerveró, servindo a alguém, aplicou canhestramente um ineficaz: corrupção na Petrobrás, também, no já lonquínquo governo de Fernando Henrique Cardoso, sem indicação de nomes e fatos concretos, como os acima reproduzidos.

Amadeu Garrido de Paula é jurista e escritor do livro Universo Invisível.