O Ca´d´Oro apresentou a São Paulo uma cozinha referência do sul da Itália. Foi o primeiro da cidade a preparar carpaccio, a fazer o risotto alla milanese, e a servir o bollito misto, o famoso cozido de carnes e vegetais. Foi soberano até que o eixo da vida urbana se deslocou deixando-o esquecido em meio à Rua Augusta.

Querido Ca’d’Oro,

Ontem foi nossa última noite juntos, e ainda assim, parecia que acabávamos de nos conhecer. Ver você ali, tão solitário, me partiu o coração. Queria poder passar semanas ao seu lado, aproveitando todas as lembranças que tristemente me diziam adeus.

Sentada naquela mesa, passei a imaginar o quanto seu salão não teria sido magistral na década de 60, recebendo presidentes e artistas. Imaginei aquele piano de 1860 sendo dedilhado delicadamente, enquanto bollitos mistos e codornas dançavam nas mãos dos garçons que em nossa primeira e última noite, agiram tão eficientemente, e fizeram com que eu mesma me transportasse para uma época, que em alguns dias, será apagada da cena paulistana.

Esses mesmos garçons que me pareciam amigos de longa data partilhavam comigo os detalhes de sua história. Percebi que alguns quase não continham a emoção, mas mesmo assim permaneciam com a voz grossa, o atendimento impecável e o carinho pelo ofício nítido, em cada manejar de pratos e talheres.

Não pude deixar de reparar o quanto suas amareladas pratas demonstravam claramente que o tempo havia passado para você. Alguns me dizem que faltou renovação, eu na verdade, penso que faltou cultura, paixão.

Provavelmente nunca mais, em São Paulo, encontrarei um restaurante que me sirva com tamanha atenção como você me serviu. Os pratos montados ali, diante de mim, o bollito misto sendo atentamente preparado, as codornas depositadas delicadamente em uma cama de polenta tão perfeita quanto as que comi na Itália e o agnolotti de uma frescura, que duvidei que encontraria em sua última semana de funcionamento.

Gosto de fidelidade, e você, que se manteve tão fiel aos seus padrões, começou a parecer antiquado pela visão paulistana, e deixou de conquistar novos apaixonados. Finalizamos nossa história com um nostálgico Cassata “Torroncino” e um brinde que provavelmente ecoará para sempre naquele salão vazio.

Talvez seja muito difícil me despedir, mas a verdade, é que um pedacinho fiel da Itália está indo embora para dar espaço aos tão modernos restaurantes que criam uma nova história para São Paulo. Talvez eu seja antiquada demais, mas definitivamente, não aprendi a dizer adeus.

Joyce Galvão,  é chef de cozinha e Engenheira de alimentos.  Professora, pesquisadora de gastronomia, palestrante e colunista do portal SP Jornal.