Ex-goleiro palmeirense Marcos revê sua carreira em depoimento inédito ao jornalista Mauro Beting.
Um jovem goleiro de 19 anos se ajoelha, ergue os dedos apontando para o céu e agradece a Deus. Nascia um ritual embaixo das traves ao mesmo tempo em que o futebol brasileiro via nascer um dos melhores arqueiros de todos os tempos.
Seu nome, Marcos Roberto Silveira Reis, ou grandiosamente “Marcão”, que realizava o sonho de jogar pelo Palmeiras, ser o número 12 e o número 1 da história recente do clube alviverde.
De lá pra cá foram 532 jogos defendendo a camisa alviverde, alternando momentos de herói e vilão, às vezes num mesmo jogo. Mas que deixou, por trás das glórias e das decepções, um legado de garra, orgulho, lealdade, experiência, inspiração, raça e otimismo.
Sua história de vida, longe e fora dos gramados, ou debaixo das traves, entre a linha do gol e a pequena área, é conhecida agora em depoimento inédito ao jornalista Mauro Beting, no livro Nunca fui Santo, da editora Universo dos Livros.
“Não é só um dos melhores goleiros que vi, mas uma das melhores pessoas que existem pra defender nossas cores e credos. Foram 20 anos pulando os tantos quilos pra nos fazer pular de alegria e orgulho e ficar de joelhos, agradecendo por seus milagres palmeirenses e brasileiros, campeões estaduais, nacionais, continentais e mundiais”, elogia o palmeirense Mauro Beting, na introdução do livro.
Do interior de São Paulo à capital. Do seu time do coração ao oriente mais distante, Japão e Coréia do Sul, onde conquistou o pentacampeonato mundial pela seleção brasileira, em 2002. “Não dava pra eu jogar na frente, fui recuado pro meio.
Depois pra zaga. Daí…”, lembra o goleiro. Vinte anos de carreira depois e muitas boladas, foram vários triunfos de um esportista que manteve a humildade, soube “baixar a bola e não se achar” e conquistou a admiração até de torcedores dos times rivais. Nunca fui Santo é uma declaracão de amor ao Palmeiras, time que sempre admirou e torceu, contrariando o pai corinthiano.
São causos engraçados dos bastidores do verdão e da seleção, contadas com o seu jeitão caipira e bem-humorado, dentre os quais o famoso pênalti defendido de Marcelinho Carioca, na semifinal da Libertadores, em 1999.
Uma partida que lhe rendeu a “canonização”, e a partir de então suas defesas milagrosas seriam seguidas pelos locutores de rádio e televisão com um sonoro e vibrante São Marcos. Em mais uma demonstração de amor ao clube, Marcos recusou uma proposta para defender o time inglês Arsenal para continuar comandando o Palmeiras na segunda divisão do Campeonato Brasileiro de 2003.
“Quebraria a perna pra ser campeão da Série B. Aquele campeonato valia mais do que a Copa do Mundo de 2002”. Na condição de líder do time, mandou seu recado aos que não quiseram continuar em 2003 para jogar a “Segundona” – “Esses estão na minha lista negra.
Opa, quer dizer, na lista verde”. Como não só de lances espetaculares vive o goleiro, Marcos relembra as falhas e as decepções – bola largada que originou o gol de Keane na final do Mundial Interclubes contra o Manchester United e a derrota para Boca Juniors na Libertadores de 2001.
Em Nunca fui Santo, Marcos revela os bastidores da concentração e o aprendizado com seus técnicos, em especial Felipão e Luxemburgo, e os treinadores de goleiros Carlos Pracidelli e Valdir de Moraes. E não deixa de lado o carinho que nutre pelos colegas de time e adversários, como Vampeta, e os goleiros e ídolos Velloso, Sérgio (que lhe ajudou muito no primeiro ano de clube) e seus reservas na seleção, Rogério Ceni e Dida. Em 14 de janeiro de 2012, Marcos pendurou as luvas. Foram 532 partidas pelo Palmeiras.
“Umas 510 pra lembrar e, pra falar a verdade, umas 10 pra esquecer.”, ressalta. As dores e o sentimento de não conseguir mais repetir as atuações dos anos anteriores, sem a mesma agilidade e reflexo, o fez abandonar a pequena área.
O ídolo deixou os treinos e o gostinho de pisar em campo com milhares de torcedores gritando o seu nome em uníssono para se dedicar à clínica São Marcos – um centro de reabilitação e fisioterapia pra pessoas comuns e também pra profissionais sem condições financeiras. A família palmeirense, que lhe concedeu o título de embaixador do clube, sempre continuará no seu coração. Como ele mesmo ironiza, “não uso black-tie, só verde-tie.”
Reportagem: Da redação. Foto: Divulgação.