Nas eleições de 2018, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, eleito e reeleito em primeiro turno no estado mais populoso do país, lançou sua candidatura à Presidência com o maior apoio político entre os partidos. Sem a presença de Lula, Alckmin visualizava a grande chance desde 2006, quando ficou em segundo lugar na corrida presidencial. Apresentando um projeto largamente reformista, Alckmin pretendia aplicar um “choque de gestão” na economia capitalista brasileira. Dentre as suas principais propostas, Alckmin defendeu a reforma política através da implementação do voto distrital; a privatização de empresas estatais; a reforma tributária por meio da simplificação do sistema pela substituição de cinco impostos e contribuições por um único tributo: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA); o endurecimento do Código Penal brasileiro; e, no campo da política externa, uma abertura da economia ao comercio exterior. Dentre os principais planos de governo, o então candidato do PSDB foi o que mais explicitou o caráter liberal de suas propostas.

Surpreendentemente, a candidatura do tucano mingou-se a cada semana da corrida eleitoral, terminado com apenas 3% dos votos. Do principal governador do país, Alckmin praticamente fora relegado à figura do “Doutor Geraldo”, em um programa televisivo matutino de baixa audiência. Diante de tamanha derrocada, o que levou Lula, candidato favorito à vitória eleitoral em 2022, escolher Geraldo Alckmin como vice-presidente, abortando a hipótese de uma candidatura estilo Biden-Harris, que apostou na continuidade por meio de uma representação simbólica? Observador da política internacional, Lula analisa a atual derrocada do governo Biden-Harris, duramente criticado por sua política externa e cada vez mais enfraquecido internamente, diante do atual cenário inflacionário da economia norte-americana. Embora extremamente importantes, os algoritmos das reações nas mídias sociais ainda não resolvem todos os problemas da economia e da política institucional.

Independentemente do apoio ou da oposição à figura política de Lula, é inegável que o candidato petista é um dos poucos políticos que consegue amarrar os interesses do establishment com as demandas populares. Conforme suas declarações, Lula sempre afirma que em seu governo, “banqueiros e o povo viveram felizes”. Nos dias em que esteve na prisão em Curitiba, Lula leu a trilogia do jornalista Lira Neto, referente à biografia política de Getúlio Vargas. Ciente da condição do status de capitalismo tardio da economia brasileira, Lula adotará a mesma postura das eleições de 2002, quando escolheu o empresário José de Alencar e montou sua equipe econômica liderada por Antônio Palocci, estruturada com diversos economistas liberais, dentre eles, o renomado Marcos Lisboa. A maior representação dessa opção liberal na economia foi feita no período eleitoral, quando Lula entregou a Carta ao Povo Brasileira, prometendo manter a base da criticada “herança maldita”, estabelecida pelo governo “neoliberal” de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Diante do atual desafio, Lula, sabidamente crítico dos economistas do PT, formados pela escola de economia da Unicamp, apostará novamente nos liberais para dar sequência ao trabalho exercido por Henrique Meirelles no governo Temer. Meirelles, então eleito deputado federal pelo PSDB, auxiliou no comando da economia brasileira durante todos os anos em que Lula esteve no poder. Sendo assim, a proposta para um novo governo é clara. Lula não escolheu Alckmin por conta de popularidade ou representação simbólica. Lula necessita de um pacote de reformas para turbinar novamente sua capacidade de oferecer crédito aos bancos e consumo para a sociedade. Até então rechaçado pela popularidade nacional, Alckmin terá pela frente o mesmo papel que Temer tivera em seus anos como Presidente: lutar por reformas políticas com baixa adesão popular. A missão, muito mais complexa que em 2003, quando o boom das commodities dava as cartas na economia global, foi dada ao político que mais trabalhou para a reforma do Estado brasileiro, seja como candidato, seja como governador. Essa alquimia de Lula fez grupos de esquerda e direita se unirem a críticas referentes a uma suposta hipocrisia da chapa, tendo em vista o histórico de discursos críticos que Lula e Alckmin protagonizaram um contra o outro ao longo dos últimos anos. Certamente, isso será utilizado contra a chapa na campanha. Nos próximos meses, acompanharemos a capacidade de resiliência desse projeto elaborado pelo lulismo 3.0.

*Victor Missiato é professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré Internacional.

Se você quer conferir outros conteúdos como este aproveite e acesse a home de nosso site.

Foto: Divulgação.