Humorista Ary Toledo divulga livro no bairro do Tatuapé.

Em cartaz no último mês no Teatro Silvio Romero, no Tatuapé, o humorista Ary Toledo iniciou cedo a carreira, logo aos 22 anos, no Teatro de Arena e sempre foi considerado um dos grandes artistas do humor brasileiro. Músico, ator e piadista, Ary apresenta o “Ary Toledo À Todo Vapor”, show que está há 4 anos em turnê e que já percorreu diversas cidades do interior de São Paulo, além de outros estados. Segundo ele mesmo conta, o bom humor já era sua marca registrada ainda na infância: “Eu me iniciei há 70 anos, na escola vivia contando piada. Desde que nasci não fiz outra coisa. Tudo foi acontecendo sucessivamente, as coisas estão acontecendo até hoje”. Confira a entrevista:

Como era fazer humor, no tempo em que o senhor começou? Comparado com hoje, era melhor? Não, era mais difícil. Eram poucas as oportunidades que surgiam, só quem tivesse sorte mesmo. A vantagem, é que eram poucos, mas naquele tempo, tínhamos a censura, os problemas de perseguições políticas. Hoje somos mais livres para criar, temos mais condições de divulgar os trabalhos, em contra-partida, temos mais humoristas espalhados por aí.

No que este show se diferencia dos demais? Ele está em cartaz há muito tempo, traz algumas mudanças nas tiradas, nas piadas, nas músicas. Eu fiz mais ou menos uns 8 shows até hoje e sempre que posso vou adaptando uma coisa aqui outra ali. Existe um material de acordo pra cada época, situação, crítica, entre um show e outro.

Mas oito shows o senhor quer dizer no teatro Silvio Romero? Não, de jeito nenhum. Na carreira mesmo. Cada show meu dura entre 8 e 10 anos. Este aqui já tem uns 4 anos. Apresentações são várias, não só neste teatro, mas de acordo com o tempo, cada show dura mais ou menos dez anos. Eu viajei para vários estados do Brasil com todos eles. Viajei também aos EUA, Japão, onde me apresentei para as comunidades brasileiras destes países.

Com tantos problemas que acontecem nos programas de humor e até com piadas inadequadas, é de se perguntar, por mais que pareça engraçado, para fazer rir, a piada pode ser degradante? Você já passou por alguma situação assim? Nunca passei por situações desagradáveis, até porque sempre soube meu limite. Tem pessoas hoje que enfrentam problemas por causa de piadas e tal, nada mais é porque talvez não tenham compreendido este limite que todo artista tem que ter, na hora de tentar fazer alguém rir. O propósito afinal é divertir. Então, o humor não precisa ser degradante. Tem programas cujo humor infelizmente deixa a desejar, isto se deve às vezes, não aos produtores nem aos artistas desses programas, mas sim ao público que continua dando audiência a eles.

Atualmente, há algum humorista que o senhor admire mais? Por quê? O público do Stand Up Comedy que eu admiro, é todo do meu tempo. São contemporâneos meus como o Juca Chaves, o Zé Vasconcelos, o Chico Anysio, dentre outros. Mas está surgindo artistas bons atualmente, como o Rafinha, o Marcelo Médice. O que ocorre é que estão surgindo humoristas em grande quantidade. E eu costumo dizer o seguinte: Antigamente, isso há uns 50 anos atrás, contávamos os humoristas nos dedos de uma mão, na do Lula e ainda por cima, naquela que tem um dedo a menos (risos), porque realmente eram bem poucos. Hoje, contam-se os humoristas nos dedos das pernas da centopéia! Será que a quantidade, faz a qualidade?

Existe alguma escola que ensina a ser engraçado? Dá para aprender a fazer comédia? Não, de jeito nenhum. Qualquer pessoa pode se meter a fazer comédia, mas isto cabe somente a quem tem talento. Se fosse assim todos iriam ser humoristas, e isso não existe, a pessoa pode se especializar em arte dramática, fazer escola e tal, mas humor é muito diferente, tem que nascer com o artista.

Há mais de 50 anos, o senhor faz sucesso com o Stand Up. Qual o segredo de uma boa apresentação? A política sempre foi sua principal essência? O segredo de um bom show de Stand Up é a diversificação de temas, interpretação, e claro, o talento. Nunca, uma apresentação de Stand Up poderá ter apenas piadas, porque essa fórmula vai levar o artista ao fracasso. Neste sentido, a política sempre serviu de matéria prima a nós humoristas, além, claro, de outros temas e fatos que ocorram no dia a dia. No meu show, isto fica muito explícito, porque através da brincadeira com a política, você pode conscientizar o público sobre uma denúncia, um problema social.

No teatro, houve outros trabalhos seus fora das comédias? Já fiz, além dos shows de stand up, algumas peças de teatro, como por exemplo, “Eles Não Usam Black-Tie”, do saudoso Gianfrancesco Guarnieri e dirigida pela Augusto Boal. Essa peça eu gostei muito de fazer, e outra que adorei foi “Soraia, Posto 2”, dirigida pelo Jô Soares, seu primeiro trabalho como diretor. Outras peças vieram, mas estas duas foram as que eu mais gostei de fazer.

O senhor acredita que o Brasil, esteja no rumo certo? O senhor está lançando um livro chamado “Textículos do Ary Toledo”, como surgiu a inspiração? Certo sim, só se for com esse! No meu livro que lancei este ano aqui, sobre a política brasileira, tem uma frase, na página 33 que diz assim: ‘Já que a corrupção virou cleptomania, já que a Justiça está cega, surda e muda, já que está consagrada a impunidade, o melhor a fazer é: devolver isto para os índios, pedir desculpas pelo estrago e mandar o Cabral descobrir a “PQP”!’ Esse livro tem material de muito tempo, da época da ditadura! Eu o considero uma obra completa a meu respeito, e quem quiser saber mais sobre o Ary Toledo, vai descobrir através dele. Este livro contém diversas frases, pensamentos, que fui escrevendo ao longo dos anos. Um dia, resolvi tirálas de onde estavam escondidas e resolvi publicá-las.

O senhor já sofreu censura por este trabalho? Quando e como foi? Atualmente, ainda existe censura? Essa é uma característica minha, meu trabalho sempre foi político. Tive um show que foi interrompido e não pude continuá-lo em todo território nacional. No tempo da ditadura, fui preso 4 vezes. Numa dessas, houve uma frase que soltei: ‘Quem não tem cão, caça com gato. E quem não tem gato, caça com Ato’, foi na época em que o AI-5 foi instituído. Tinha dois agentes na platéia e então, após o show, fui preso. Mas todo artista que se preze, tem problemas com a censura. Isto é inevitável e na época era um saco fazer apresentações, porque para criar os shows naquele tempo, o censor tinha que acompanhar toda a obra antes, pra depois escolher as piadas que podiam ou não ser contadas. Hoje não. Hoje a censura acabou.

E o senhor não tinha medo que por causa de uma piada, a prisão não fosse sua única punição? Chegou a pensarem parar ou mudar o foco das apresentações? Nunca! Nunca desisti. A gente tinha um pouco de receio, às vezes, mas na vida é preciso se arriscar. É como falei, a comédia tem que cutucar, tem que criticar, senão perde a razão de ser. Agora, tive amigos que pararam, porque infelizmente a pressão foi muito grande, como é o caso do Geraldo Vandré.

E no cinema, o senhor chegou a atuar? Existe hoje algum projeto nesta área? Cheguei sim, mas foram pequenas apresentações, eram trabalhos de amigos na época, e eu também nunca gostei de fazer cinema. A disciplina do cinema me enche o saco. Não tenho projetos, não, mas amo assistir filmes, fazer é que é outra história. A diferença entre o ator de cinema e o de teatro sabe qual é? É que o primeiro trabalha com rede de proteção, enquanto o segundo trabalha sem proteção nenhuma. Quando a gente vê um filme pronto, bonito, a gente admira, mas quando vemos a filmagem deste, a produção, edição, então aí mudamos de opinião. E no teatro não temos edição.

Quais filmes o senhor mais gostou de assistir? Por quê? Um dos filmes que mais gostei foi “Cinema Paradiso”. Não gosto de filmes de luta, de violência. Gosto também de “O Campeão”, “O Carteiro e o Poeta”. Estes tipos de filmes têm o Ary Toledo como telespectador assíduo. No Brasil, gostei muito de “Central do Brasil”; “O Pagador de Promessas”, “Vereda da Salvação”, do Anselmo Duarte, enfim, filme pra mim tem que ter boa produção, história inteligente. Agora, tem as “pornoxoxotas” que faziam e até hoje ainda tem muito, e isto se deve ao financiamento fácil na hora de produzir os filmes, o dinheiro que vem da Lei do Áudio Visual e que acaba com a qualidade do cinema. O meu amigo, que Deus o guarde, o famoso Mazzaroppi, viveu situação diferente. Sabe por que os filmes dele, do Oscarito, davam tão certo? Porque eles colocavam dinheiro do próprio bolso nas produções. Então, naquele tempo, o filme tinha que ser muito criativo, inteligente, porque a única forma de garantir o pão na mesa e repor o que se gastou, era esgotando a bilheteria. E isto só ocorreria se houvesse qualidade. Hoje, você recebe uma verba, estipula umas cenas e depois vai se masturbar, sem qualquer preocupação. Qualquer coisa põe umas explosões na cena e tá tudo certo. Filmes assim eu detesto, eu quero que vão à merda (risos). É utópico o que vou te dizer, mas o dia em que o cinema brasileiro entender que, é preciso mais criação e inteligência ao invés de dinheiro, vamos ganhar uma projeção bem maior.

Além dos filmes, do teatro, o senhor tem alguma outra paixão? A música! Adoro compor, tocar, toco sete instrumentos! Violão, bandolin, cavaquinho, viola, gaita, flauta e piano. Uma porrada. Mas tem uma coisa, eu toco para mim e para os meus amigos! Não sou exibicionista. Gosto de jazz, música clássica, rock, enfim, um pouco de tudo, menos sertanejo. Sertanejo, o atual, porque música caipira, aquela de raiz, ah, dessa eu gosto!

Reportagem: Fernando Aires. Foto: Divulgação.